sábado, 19 de novembro de 2011

A Primeira Visita

"Ana?" "Ana?" A voz ia crescendo. Mas eu não via nada. Continuava escuro. Mas eu lembro. Aquele maldito velho, me dopou, me dobrou. Ninguém nunca tinha previsto meus movimentos assim. "Ana" Agora tinha luz. Aquela luz nada forte do meu quarto. Alguém falava comigo da porta. Era aquela maldita freira vestida de pinguim. Um dia o pescoço dela vai estar ao alcance. Mas não ainda. Minha cabeça dói pra pensar. "Ana acorda logo" Sem querer levantei. Ainda meio tonta. O vento fazia miséria no meu quarto. Tinha esquecido a janela aberta. Estranhamente a freira me deu um agasalho. "viu como é ser boazinha, tem vantagens" Ignorei aquela velha. Queria voltar a dormir. Ma fui conduzida por ela pelo corredor. Aquele lugar era tão frio quanto ela. Seu habito arrastava no chão. E volta e meia ela pigarreava e cuspia nas paredes de pedra. Praguejando o vento e segurando o rosário. Chegamos no que parecia ser uma capela. Ainda não entendia o que ia acontecer. Mas não consigo m agitar. Vejo meu pai. Seus olhos vermelhos. Magro, muito magro. A barba dá o aspecto mórbido. Corre e me abraça. Vejo um crucifixo espelhado na lagrima dele. Sinto seu penar. Dói a sua dor, despenco em seu colo. Choro sem saber o porque. Ele me solta. "eu te amo. Não concordo com isso". Passa a mão nos meus cabelos. Um beijo na testa e uma lagrima me molha o cabelo. Ele me deixa. Sento num dos bancos. Atordoada me reviro procurando meu pai. Ou a velha pinguim, não sei o que está acontecendo. Abaixo a cabeça. Aquela musica ainda me oprime. Sinto um peso no ombro. Ela está ali. Se abaixa. Me olha de cima a baixo. Meus trapos parecem indignos da presença dela. Não me movo. Fico calma, sem outra alternativa. "por que você não diz nada?" Continuo calada. Punhos cerrados. Mente focada, queria faze-la explodir aqui mesmo. Seguro as palavras. "você não tem porque estar aqui" "tão bonita" Tocou meu rosto. Grave erro. Recuei. Uma lagrima me escapa, maldita! "você sabe o quão difícil foi colocar você aqui?" Não acreditei. Um buraco abriu sob meus pés. "E olha que seu pai não queria." "se ele entendesse o quanto você está calma" Nesse momento nada tinha para me conter. A mão dela que passou na minha frente pra pousar no meu ombro. Nunca chegou lá. Antes disso meus dentes pegaram. Pegou em cima da mão. Devo ter rompido uma veia. Quanto sangue. Que delicia esse cheiro. Ouço os gritos dela. Mas nem me importo. Um homem de branco chega correndo para ajudar ela. Eu não me movo, só rio. Dou risada alta. E me desculpo com a senhora horrorizada no banco ao lado. Ela deve ter achado que sou doida. Saiu correndo. Eles a tiraram de lá. Não vi como. Antes que eu pudesse ver ela sair, vi dois homens de branco entrarem. Vinham na minha direção. O crucifixo com o cara pregado virado pra mim balançava. Ventava, mesmo sem janela. O primeiro segurou meus braços. O segundo tropeçou, parecias ser mais novo. Caiu com a cabeça no meu colo. Não precisei de esforço. Alguns dos meus dentes cravaram seu pescoço. Até tudo ficar escuro ao som de uma risada conhecida. Escuro. A cabeça lateja. A luz não parece fazer força para existir. Ouço vozes na minha cabeça. Gemidos. Altos. Desesperados. Sinto o algo se debater no meu colo. Meu maxilar dói. O gosto de ferro retorna a minha boca. Flashes de luz. Meus olhos ardem. Luz. Ouço o mesmo som do primeiro dia. Um som animalesco. Volto. Estou sentada na soleira da janela. Olho pra fora procurando o monstro. Só algo terrível poderia fazer esse som. Escuro. Minha roupa começa a ficar molhada. Inclusive o agasalho que ganhei. Ainda não sei o motivo. Sinto cheiro de flor. Um ramalhete de rosas repousa abaixo do santo. Mas o cheiro é outro. Não são rosas agora. Vejo o pinguim velho. Escuro. As folhas balançam com o vento la fora. Ainda não sei porque ela me colocou aqui. Hoje depois que acordei as flores mudaram. Escuro. Ele era um menino. Olhos azuis revirando-se sobre mim, perdendo sangue. Tive tempo. de ver a vida fugir. O brilho dele morrer. Não o do velho. O mesmo velho da outra noite. Os olhos dele, esses brilhavam e muito. Escuro. O cheiro de grama cortada interrompe de novo os flashes. Meus dentes doem. Sinto frio. Acho que perdi meu agasalho. Escuro. A vida some do olho dele, sem que tirassem de cima de mim. Sangue. Sangue por toda parte. Isso não me assusta. Não me é incomum. O pinguim a segura pela mão. Ela sangra. Sorrio, satisfeita. Escuro. A brisa é interrompida junto com as lembranças. Vejo como caleidoscópios de novo, só que estou de olho aberto. Escuro. Mas ainda sinto. Sinto a risada, sinto o brilho. Mas a caneta ainda me acompanha. "lá vamos nós de novo." Escuto de algum lugar. Estou sendo transportada de novo. Ouço outro sorriso e esse, não me tranquiliza. Escuro.

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