quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Os Primeiros Flashes.

A primeira luz depois da escuridão foi a do teto. Fraca, quase sem força para iluminar a si mesma. Sinto gosto de sangue. Sinto cheiro também. As roupas que vestia, são trapos no meu corpo. Trapos tingidos de vermelho. Minha visão ainda é embaçada. Minhas mãos não tremem mais. Têm flores na minha cabeceira. A porta não está fechada. Uma correte de ar interrompe minha analise. Tremo de frio. Alguns gemidos passam pelas paredes. De fato, não me importo com nenhum. Será que eles não podem gritar mais baixo. São nove da manhã, minha primeira noite acabou. O gosto de sangue vem sempre junto com a saliva. Tento me levantar. Aos poucos vejo que minhas pernas estão menos cansadas. Consigo me mover. Vou até o pequeno espelho ao lado da comoda. A visão é pavorosa. Mas não me assusto com o reflexo. Meus cabelos, tão compridos, parecem mastigados e mais curtos. O cabelo sem mais cor, agora está vermelho empapado. Pequenas gotas vermelhas deslizam secas na testa. Meu olho direito está inchado e roxo. Meu nariz também tem gotas secas vermelhas. Meus lábios estão cortados, em cima e em baixo. Minhas roupas rasgadas e muito manchadas de sangue. O cheiro do ferro presente no sangue me embrulha o estomago. Me livro das roupas, enquanto procuro outras. A freira que se veste como pinguim entra em silencio, só a vejo quando está na minha frente.
"você impressionou a todos, satisfeita?"
O olhar dela era repressor. Mas eu não lembrava, mas sim estava satisfeita. O estrago deve ter sido grande. Pra responder só dei de ombros.
"Então não te importa o que aconteceu?"
Eu poderia naquele momento te-la socado. Mas sorri. Meus dentes vermelhos do sangue da minha língua. Não conseguia falar, era muita dor.
"A dor é um bom corretivo, junto com o frio." "tome, sua nova roupa"
Era outro pano branco de má qualidade. Vesti, estava frio, o vento aumentava. A freira me deixou ali vestindo a roupa. Da porta ela ainda falou. "você me custou dois enfermeiros. Vou cobrar dos seus pais"
Cobrar o que? A sanidade que eles também me devem? Ignorei aquela velha. Fui sentar na janela e ver o sol. Que agora parecia sair de trás das nuvens. Quando fechei meus olhos algumas cenas pipocaram. Pareciam flashes de memória da noite.
Na primeira descarga elétrica tremi. Na segunda lembro da fivela se soltar. Lembro da minha mão voando em direção do enfermeiro. Sem chance para ele, minhas unhas perfuraram sua jugular. Três unhas em segundos derrubaram um dos homens de branco. Escuro de novo. Mais uma descarga e mais outra. Meus olhos se arregalam. A mulher que segura minha testa ri. O brilho no olho dela continua. Ignorando o corpo do homem de branco a poucos metros de seus pés. Lembro de querer que o sapato dela estragasse com o sangue. Um dos homens de branco passa mal. Escuro de novo. Pausa nos choques. Sinto a força que prende minha testa afrouxar. Olho pro lado. Um dos homens de branco chega perto. Perto demais. Seu pescoço a centímetros da minha boca. Só sinto o gosto doce ferro. Minha cabeça volta violentamente pra trás. O homem de branco cai sobre mim. Sinto o sangue escorrer por mim. Escuro. E a luz volta. Da maca vejo aquele mesmo resto de ser humano que vira antes de entrar na sala. Ele sorri feliz ao me ver. E segura uma flor na mão. Escuro.
Foi tudo que a janela e o vento me ajudaram a lembrar. Ouço a porta abrir nas minhas costas. Me viro e vejo uma menina pequena. Poderia ser mais nova do que eu.
"Tome seu suco Ana" disse ela tremula. Covardes! pensei! Fui até ela. O liquido alaranjado tremia no copo. Assim como os dois joelhos dela sob a saia abaixo do joelho. Tomei. Para o alivio dela. E de três homens de branco que esperavam atrás dela. Meus joelhos tremem agora. Deito. Antes mesmo de sentir o escuro sinto a agulha no meu braço. A ultima coisa que vi foi o brilho. O mesmo brilho da mulher da sala de eletrochoque. Só que era um homem. Seu brilho era maléfico, contido. Sorriu. Escuro.

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