quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Encontro

O dia está lindo hoje. Não acordei enjoada. Mas dormi de lado, por causa da barriga. Levanto e por incrível que pareça tenho forças para isso. Me vejo no espelho. Meu cabelo está pela orelha já. Meus olhos estão mais limpos. Claros. Ouço alguém bater na porta. A voz é familiar. Dos sonhos distantes aqueles. De tempos sombrios que tive. Os olhos fundos e o cabelo enrolado. Nas mãos um ramo de flores, provavelmente roubados de algum jardim. Estava lindo. A jaqueta de coro descorado arregaçada no braço. No braço algumas tatuagens mal cobertas. Foi o abraço mais sincero que recebi em anos. Um beijo na minha barriga. Eu tremi. Ele logo levantou para segurar. Escuro, de novo. Não agora. Escuro...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Homens de Branco?

"GRAVIDA?!" Foi o grito que eu ouvi retumbar dentro do meu quarto. Que mesmo não sendo grande sua altura proporciona ecos. Eu conhecia aquela voz. Era brava, muito mais, era raiva que eu ouvia. Era minha mãe! Mas a quanto tempo estou aqui? Já perdi a noção. Não tenho vontade de abrir os olhos. Mesmo meu corpo não doendo mais. Não tenho mais amarras nas mãos. Abro os olhos esperando o terror que se anunciava. "Como assim ela está gravida?" Ela ainda não viu que acordei. Sua postura era desafiadora. Com ela estava a freira pinguim e o doutor de cabelos bagunçados. "como isso aconteceu?" Eu só a via por causa do espelho que ficava do lado oposto da cama. Faz tempo desde a ultima visita. Não parece ter mais machucado algum na mão. "um mês atras ela não estava assim" Gritos e mais gritos. Nada que eu não estivesse acostumada a ouvir. "Até onde eu sei, não foi feito nenhum exame nela antes de vir até aqui." Foi seco e grosso. Minha mãe engoliu a seco. Sem baixar a guarda. "Ela estava em outra instituição antes".É verdade, este não é meu primeiro pesadelo. Já estou na segunda vinda. Minha mãe olha de canto para dentro e sai em direção ao corredor. Não sei se chorava. Ou se apenas ignorava o fato de sentir. Evitei me mover, não quero vê-la. O doutor não saiu atrás dela. Ficou imóvel olhando para mim. Eu tentei sentar. Me senti tonta e voltei para trás. Ele veio até a minha cama. "Como você está?" "Me sentindo em casa, com ela gritando e me acordando" E sorri. O médico nada fez. Apenas olhou meus exames novos. Tocou minha barriga. "está ficando grande" Eu só consegui esboçar um sorriso. Ainda não entendo e não lembro como coisas assim aconteceram. Algumas das marcas no meu ante-braço me dão um motivo. A lembrança tarda. Cada vez mais. Fiquei na cama por mais alguns instantes. Pelo menos até tudo parar de girar. Ele saiu do quarto. Recomendou passeios pelo pátio. Levanto. A tontura reaparece. E vai embora rápido também. O chão já não era tão frio. Me olho no espelho. Dou falta de algumas marcas. O eletrochoque deve ter parado. Meu cabelo nasceu de novo. Coloco a mão na minha barriga. Sim, está crescendo. E agora? Ela está me protegendo. Nada pode me tocar enquanto eu tiver ela comigo. Vou para o corredor. Toda a dor que aquilo transmite. As pareces de pedra são escuras. O corredor muito pouco iluminado. Algumas pessoas passam por mim. Alguns cambaleantes culpa dos remédios. Outros transtornados apenas batiam com a cabeça na parede. Vejo poucos homens de branco hoje. Acho que cansaram de se preocupar comigo.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O Que Sobrou em Mim

Minhas percepções mudaram. Estou com medo. Medo do que meus sonhos ainda podem me mostrar. Ou me lembrar. Escuto tudo a minha volta. Mas não tenho força para abrir os olhos. Sinto que tem mais alguém na sala. Mas ainda não consigo falar. Meu maxilar ainda pende e eu continuo a babar. Sei porque sinto minha camisa molhada/quente. Não são nenhum dos doutores malucos. Não há sorrisos. De nenhuma forma. Muito pelo contrario, sinto choro, tristeza. Ouço uma voz conhecida. Sinto uma mão tocar a minha. Sinto uma barba roçar no meu rosto. E me sinto sozinha de novo. Não entendo a minha troca de percepções. Não entendo mais meu corpo e meus devaneios. Me perco sozinha dentro do meu corpo. Não lembro quanto tempo estou aqui. M e parecem poucas horas. E agora me parecem tantos dias. Me agito, mas meu corpo não responde. Minha cabeça trabalha a mil, mas meu coração e meus sentidos não respondem. Minha cabeça dói. Sem que eu abra os olhos sinto a claridade fraca da luz do quarto acender. Sinto frio. Meu estomago parecer corroer por dentro. Não me lembro da ultima vez que comi. Sinto que sou tocada. Alguém mexe no meu maxilar. Agora ouço com perfeição o que acontece. "Ela está fraca" Era uma voz grossa, desconhecida por mim até então. " O que houve com ela?" Perguntou a voz masculina. Quem respondeu foi a voz gélida da freira/pinguim. "Um choque exagerado depois de morder a mão da mãe durante a visita". Silêncio de novo, mas continuo com uma mão no meu rosto. "vou colocar o maxilar no lugar". A dor que senti não tenho como descrever. O meu grito foi em outro momento descrito como 'desesperador'. Desperto devida a adrenalina da dor. Abro os olhos e dou de cara com um homem. O mesmo que mexia em mim. Era velhinho. Mas robusto e andar imponente. " a língua dela também esta machucada." Abriu minha boca e passou algo em mim. Eu não me movia porque estava amarrada. A dor era dilacerante. Depois de cuidar da língua soltou meu rosto. E pela primeira vez vi bondade ali. A freira observava nervosa por cima do ombro dele. Eu não quis fazer mal a ele. Nenhum impulso veio a minha mente. Ele virou-se para a mulher de hábito. "ela não pode sofrer nenhum tratamento nos próximos dois dias." O tom de voz dele era severo. "fui claro?". A freira olhou para o homem. Sem ousar encara-lo. "ela vai ficar incontrolável". Pensei comigo mesmo depois de ouvi-la 'vou mesmo'. "É o preço da incompentência." Virou para mim. E saiu. A freira me olhou pela primeira vez com medo. E meus olhos brilharam. Consegui sorrir de canto. A freira fez o sinal da cruz e saiu. Por que ela tem tanto medo? Mesmo amarrada sinto que o remédio começa a deixar de fazer efeito. Mais dores aparecem. Meu abdome dói muito. Sinto meu corpo tremer de frio. Minha cabeça já nem dói mais. As outras dores tomaram o controle. Só posso mover meus dedos. Que doem ao retrair com as outras dores. A dor no abdome aumenta. A dor é fina. Como se muitas e muitas agulhas entrassem em mim. Eu desmaio de dor. Quando acordo está claro. Fiquei muito tempo desacordada. Tento me mexer pouco não quero machucar mais nas amarras. Estou solta. sem amarra nenhuma. Tento me levantar e incrivelmente consigo. Estou com uma roupa limpa. Sem marca de baba ou sangue. Minha cabeça não dói mais. O sol parece estar brilhando lá fora. Minha porta está aberta também. Sento na cama. Meus pés ainda doem. Me sinto inchada. Levanto. O piso frio congela meu pé descalço. Vou até o espelho. Me vejo. O choque é grande. Não vejo quase nada daquilo que vi nas lembranças. Meu cabelo sem cor alguma. Empastado malcuidado. Tenho dois curativos. Um em cada têmpora. Um dos meus olhos continua com hematoma. Não está mais roxo. Vai ficando esverdeado. Combina com meu nariz fino. Meio corroído por dentro. Minha boca cortada. Inchada. Meu maxilar doí ainda. Mas está no lugar agora. Quem me deu aquele soco pagará. Meus olhos estão sem sem cor. Preto fosco, se isso é possível. Meus dedos com todas as articulações escuras. Machucadas de contrair com dor. Os punhos e tornozelos com as marcas do atrito do coro. Aquelas amarras machucam muito. Me sinto enjoada. O cheiro do material de limpeza embrulhou meu estomago. Eu devo ter comido. Vomito em um balde debaixo da cama. Quanto tempo eu apaguei? Por que eu não lembro de trocar de roupa ou comer. Sento na cama de novo. Sinto algo se mover em mim. Meu abdome dói de novo. Começo a enjoar com o cheiro das flores lá de fora. Desmaio. Acordo. Meus olhos embaçados olham minha volta. Ainda estou no meu quarto. Minha barriga parece maior.

domingo, 20 de novembro de 2011

As Primeiras Lembranças

Algo no cheiro de carne ativou minha memória. Me debato enquanto tenho sonhos. Não sei como comecei a dormir. Mas sei que estou dormindo. Agora não tem amarras prendendo meu corpo. O frio abrandou quando coloquei as roupas e encontrei minhas cobertas. O cheiro. Volta e na boca sinto gosto também. Gosto, de uísque? Cenas caóticas passam dentro da minha cabeça. Sinto cheiro da carne. Mas estou de pé. Ouço gritos horrendos. Me ouço gargalhando. Acordo de sobressalto. Meus olhos ardem. Mais o Sono me vence. Caio para trás de novo. Cores muitas cores, talvez a dor tenha causado isso. De novo o cheiro de carte, de novo o gosto de uísque. Mas agora sinto cheiros. Fumaça. Sinto gosto amargo característico também descer a garganta. Fumaça de fumo preparado com essências. Vejo vultos agora. Estão a minha volta e gritam. Tenho um copo nas mãos. Em um segundo tudo ganha forma. Uma sala grande. Pouco iluminada pela luz. Com muitos focos de fumaça. Os vultos ganham formas e traços conhecidos. Me reconheço. Meus braços desenhados e coloridos. Estou fazendo força. Ainda não sei porque. Temos todos praticamente a mesma idade. Isso não faz tanto tempo. Devo estar com dezesseis. As paredes desenhadas da casa me deixam confortável. A mesa de centro tomada de cinzeiros. Esses cheios de bitucas. Tem algo pegajoso no chão. Estou descalça. No sofá outra mulher. Essa abraçada a um dos homens que ri. Enquanto eu gargalho e dou outro gole no copo de liquido azul. Vejo braços levantando pelo ar. Sinto cheiro de sangue forte. Sobressalto e acordo de novo. Fui pega de novo. Mais choques? Não entendo. Olho envolta e o silêncio só é quebrado por aquele som animalesco do lado de fora. Estou tremendo. Encosto a cabeça novamente no travesseiro e apago. O que estão dando pra mim? Volto para o mesmo lugar do sonho. Não estou sonhando. Estou lembrando e isso me assusta muito.Pareço outra antes. Largo o que estou a fazer quando alguém faz força. Solto. Pareço ter deixado alguns quilos saírem do meu colo. Pego um papel na bancada da cozinha mal iluminada. Não tem carne alguma cozinhando. Abro a geladeira e pego uma das seringas ali dentro. Prendo a respiração e choco a agulha com a veia do meu pescoço. Ah o caleidoscópio de cores aparece. Pego uma caneta no bolso de trás de alguém. Que ri e não se importa. Vou até uma área aberta, uma sacada. Escrevo uma enorme poesia falando de mim. Me viro. Para ver a cena que se desenhava do lado de dentro. Minha alma congela. Vejo que a força que fazia ela sobre as costas de alguém. E o cheiro da carne sendo preparada era dele. Do lado do corpo desacordado um ferro de passar roupa fora da tomada. O nariz do garoto está sangrando. Do seu lado quatro seringas sujas de sangue. Eu escrevo mais naquele pedaço de papel. Enquanto na sala um ou dois garotos levantavam o que teve a pele queimada. Está desacordado. Me viro para as estrelas. Elas plantam bananeira e são de varias cores. Isso quando não mudam de cor. A fumaça sai da minha boca. É verdade, eu fumo. Ainda tenho o copo do meu lado. Ataco o papel de novo. escrevo como doida. Meus cabelos já foram azuis. Vejo aquele que teve a pele queimada acordar. E ele grita de dor. Um grito que me faz cócegas. Esse grito deixaria qualquer um congelado, não eu. A minha mão cansa de escrever. A caneta era Dele. Uma caneta tinteiro, prateada. Me sentia tão adulta ali. Levantei e calmamente entrei na sala. Aquele que teve a pele queimada estava parado. Imóvel no chão. Passo por ele e cutuco ele com o pé. Ele responde com murmúrios e vira de lado. Inconsciente. Eu dou mais um chute e ele acorda. Me vê e grita mais. Ele chega e me segura. Me deita no quarto. Não quero dormir. Escuro. Ele deve ter apagado a luz. Quando me levanto e acendo a luz. Não há mais ninguém ali. Eu, as escritas na parede e o chão gosmento de sangue. Meu, do cara que queimei. E de mais um babaca que teve uma overdose no chão do corredor. Ele está sentado no sofá e me da um sorriso largo. Sento ao seu lado. "Sinistra você" e sorri. Com olhar apaixonado. Eu o beijo. E tudo volta a ser vulto. Antes tenho tempo de ver o ferro de passar no chão. Tem algo grudado nele. Como carne de porco quando gruda na panela. Ele vira vulto. E tudo começa a escurecer. Ouço o choro da minha mãe. E acordo. Olho as paredes. Procuro desenhos. Procuro Ele. Procuro a minha mãe. Silêncio. Ouço gritos. Apavorantes que ecoam por todos os corredores daqui. Eu não tremo. Olho para a porta. O homem da caneta esta a me observar."Tens papel e caneta, sabes como usa-los." Sorriu doce. "aproveite" Isso saiu em um tom sinistro. Aproximou de mim. Eu só senti meu braço adormecer. Não reagi. Só ouvi o seu sorriso antes que o escuro voltasse.

A Primeira Pétala

Ainda está escuro. Não ouço quase nada. Parece que meu ouvido está entupido. Sinto o vento gelado nos meus pés. Definitivamente estou sendo carregada. Sinto o vento no meu rosto. Tento abrir o olhos, não consigo. Ouço vozes a minha volta. Sou movida, mas ainda não vejo nada. Se meus olhos não abrem, meu corpo também não se move. Estou amarrada. "Ela aprontou de novo é?" Essa voz é conhecida. "Eu disse que ela seria problema." Sinto meu coração começar a disparar no peito. "Eu cuido dela dessa vez" Aquela risada congelou minha alma. Se é que ela ainda está aqui dentro. "Coloquem ela na cadeira." Agora sei onde estou. Sinto tudo. Não vejo nada. Estou vendada. Começo a sentir mais frio. Luz. Forte demais para que eu possa ver algo. Sinto as amarras e o teto ficar paralelo ao meu corpo. A luz começa a ficar mais fraca. E falhar. Ouço barulho das faíscas. Quanto mais tento me mexer, mais eu machuco meus punhos. Minha pele sofre com o atrito do coro das cintas. "Dois dias aqui e ela ainda não aprendeu" Sinto meu corpo tremer e retorcer, sem que eu queira. Da minha testa sinto escorrer suor. Meus olhos lacrimejam. Involuntariamente. Sinto o gosto de pedaços da minha língua. A luz para de piscar. Meu corpo para. Sinto um cheiro que não me é estranho. Parece carne sendo preparada. Não é agradável.Escuro.Frio. Acordo de novo. Fui molhada. Agora tenho certeza, estou sem roupa. Que bom, do contrario molharia minha caneta. Não quero me mover, só espero a próxima rajada de choque. Minhas têmporas pulsam mais que meu coração.A luz começa a falhar de novo. Agora eu fecho meu olhos. Sinto meus dedos dos pés se contorcerem. Logo os dedos das mãos. Que machucavam ainda mais nas amarras. Pouca força faço, mas a energia que passa por mim me levanta da maca. E me joga de volta em segundos. Cheiro de sangue. Acho que engoli outo pedaço da minha língua. Não consigo respirar. Me afogo. Sinto asfixiar. Sinto espuma na minha boca. E sinto a luz voltar. E o cheiro de carne de novo. O choque pára. Talvez eles tenham exagerado. Não consigo fechar minha boca. Meu maxilar não tem força para subir. Sinto uma pancada no peito. Num esforço gigante consigo puxar o ar para dentro. Volto a respirar. O cheiro continua ali. Preferia não respirar agora mesmo. Mas continuo fechar a boca. Sou posta de pé. Não tenho forças e despenco. Sinto o chão frio e molhado daquela sala. Meus olhos meio embaçados ainda procuram algo. Encontram o brilho pervertido da mulher. A mesma da primeira noite. A dona da voz. Ela me olha com raiva e deleite. Satisfeita por me ver sem forças no chão. Ela se aproxima. Me encara de perto. Ninguém por perto. "Não é tão durona agora né?" Não consigo falar, quem dirá fazer algo. Me resigno a cair a cabeça pro lado e não olhar aquele brilho. Viro a cabeça na direção do vento. Minha pele toda arrepiada com o frio. A porta está aberta. Dali dois homens de branco observam ressabiados. E no de fora dois olhos curiosos e meio sem vida me observam. Lembro desse par de olhos. O cabelo desgrenhado sobre um dos olhos. Ele percebe que noto sua presença e se esconde atras do cabelo. Ele tem os olhos claros. Verdes eu acho. Antes que eu fizesse qualquer movimento os homens de branco me erguem do chão. A mulher lava o sangue acumulado em mim com uma mangueira. A pressão machuca mais meu maxilar. Que aos poucos voltava para o lugar. Há sangue e saliva nos meus seios e na barriga. Não consigo abaixar mais a cabeça para ver o resto. Ganho uma toalha amarelada para me enxugar. Como se eu tivesse forças. Sequei como dava. Fui sentada em uma cadeira de rodas. Passei pelo donos dos olhos verdes, estava encolhido no banco. Com algumas coisas na mão. Me olhou e escondeu-se. Sinto meu braço formigar. Devem ter injetado algo em mim. Escuro.
Sinto a cabeça ainda oca. Não tenho noção das horas. Abro os olhos. Tem pouca claridade lá fora. Deve estar anoitecendo. Sinto muito frio. Estou nua. Não tenho cobertas. E não faço ideia de onde minha roupa foi parar. Me levanto. Meu maxilar ainda dói muito. Meus punhos estão vermelho. Meus dedos mal se mechem. A dor é generalizada. Minha língua está inchada. Não posso falar nada. Vou até o espelho. Minhas têmporas estão marcadas. Sei agora de onde veio o cheiro de carne. O vento aumenta meu frio. Olho por cima de tudo, mas esta escuro aqui dentro. Acendo a luz. Vejo minha roupa, cuidadosamente dobrada sobre a mesa ao lado da cama. Com a caneta em cima e algumas folhas de papel dobradas e cuidadosamente escondidas debaixo da blusa.E uma pétala branca dentro do bolso da blusa. Sento na cama. Não entendo. Como tudo por ali. Mas isso me acalma. Até a freira/pinguim chegar. Vejo nas mãos dela o copo de suco. Não tenho escolha. Tomo de novo. Dessa vez nem gosto sinto. Minha língua dói. Escuro.

sábado, 19 de novembro de 2011

A Primeira Visita

"Ana?" "Ana?" A voz ia crescendo. Mas eu não via nada. Continuava escuro. Mas eu lembro. Aquele maldito velho, me dopou, me dobrou. Ninguém nunca tinha previsto meus movimentos assim. "Ana" Agora tinha luz. Aquela luz nada forte do meu quarto. Alguém falava comigo da porta. Era aquela maldita freira vestida de pinguim. Um dia o pescoço dela vai estar ao alcance. Mas não ainda. Minha cabeça dói pra pensar. "Ana acorda logo" Sem querer levantei. Ainda meio tonta. O vento fazia miséria no meu quarto. Tinha esquecido a janela aberta. Estranhamente a freira me deu um agasalho. "viu como é ser boazinha, tem vantagens" Ignorei aquela velha. Queria voltar a dormir. Ma fui conduzida por ela pelo corredor. Aquele lugar era tão frio quanto ela. Seu habito arrastava no chão. E volta e meia ela pigarreava e cuspia nas paredes de pedra. Praguejando o vento e segurando o rosário. Chegamos no que parecia ser uma capela. Ainda não entendia o que ia acontecer. Mas não consigo m agitar. Vejo meu pai. Seus olhos vermelhos. Magro, muito magro. A barba dá o aspecto mórbido. Corre e me abraça. Vejo um crucifixo espelhado na lagrima dele. Sinto seu penar. Dói a sua dor, despenco em seu colo. Choro sem saber o porque. Ele me solta. "eu te amo. Não concordo com isso". Passa a mão nos meus cabelos. Um beijo na testa e uma lagrima me molha o cabelo. Ele me deixa. Sento num dos bancos. Atordoada me reviro procurando meu pai. Ou a velha pinguim, não sei o que está acontecendo. Abaixo a cabeça. Aquela musica ainda me oprime. Sinto um peso no ombro. Ela está ali. Se abaixa. Me olha de cima a baixo. Meus trapos parecem indignos da presença dela. Não me movo. Fico calma, sem outra alternativa. "por que você não diz nada?" Continuo calada. Punhos cerrados. Mente focada, queria faze-la explodir aqui mesmo. Seguro as palavras. "você não tem porque estar aqui" "tão bonita" Tocou meu rosto. Grave erro. Recuei. Uma lagrima me escapa, maldita! "você sabe o quão difícil foi colocar você aqui?" Não acreditei. Um buraco abriu sob meus pés. "E olha que seu pai não queria." "se ele entendesse o quanto você está calma" Nesse momento nada tinha para me conter. A mão dela que passou na minha frente pra pousar no meu ombro. Nunca chegou lá. Antes disso meus dentes pegaram. Pegou em cima da mão. Devo ter rompido uma veia. Quanto sangue. Que delicia esse cheiro. Ouço os gritos dela. Mas nem me importo. Um homem de branco chega correndo para ajudar ela. Eu não me movo, só rio. Dou risada alta. E me desculpo com a senhora horrorizada no banco ao lado. Ela deve ter achado que sou doida. Saiu correndo. Eles a tiraram de lá. Não vi como. Antes que eu pudesse ver ela sair, vi dois homens de branco entrarem. Vinham na minha direção. O crucifixo com o cara pregado virado pra mim balançava. Ventava, mesmo sem janela. O primeiro segurou meus braços. O segundo tropeçou, parecias ser mais novo. Caiu com a cabeça no meu colo. Não precisei de esforço. Alguns dos meus dentes cravaram seu pescoço. Até tudo ficar escuro ao som de uma risada conhecida. Escuro. A cabeça lateja. A luz não parece fazer força para existir. Ouço vozes na minha cabeça. Gemidos. Altos. Desesperados. Sinto o algo se debater no meu colo. Meu maxilar dói. O gosto de ferro retorna a minha boca. Flashes de luz. Meus olhos ardem. Luz. Ouço o mesmo som do primeiro dia. Um som animalesco. Volto. Estou sentada na soleira da janela. Olho pra fora procurando o monstro. Só algo terrível poderia fazer esse som. Escuro. Minha roupa começa a ficar molhada. Inclusive o agasalho que ganhei. Ainda não sei o motivo. Sinto cheiro de flor. Um ramalhete de rosas repousa abaixo do santo. Mas o cheiro é outro. Não são rosas agora. Vejo o pinguim velho. Escuro. As folhas balançam com o vento la fora. Ainda não sei porque ela me colocou aqui. Hoje depois que acordei as flores mudaram. Escuro. Ele era um menino. Olhos azuis revirando-se sobre mim, perdendo sangue. Tive tempo. de ver a vida fugir. O brilho dele morrer. Não o do velho. O mesmo velho da outra noite. Os olhos dele, esses brilhavam e muito. Escuro. O cheiro de grama cortada interrompe de novo os flashes. Meus dentes doem. Sinto frio. Acho que perdi meu agasalho. Escuro. A vida some do olho dele, sem que tirassem de cima de mim. Sangue. Sangue por toda parte. Isso não me assusta. Não me é incomum. O pinguim a segura pela mão. Ela sangra. Sorrio, satisfeita. Escuro. A brisa é interrompida junto com as lembranças. Vejo como caleidoscópios de novo, só que estou de olho aberto. Escuro. Mas ainda sinto. Sinto a risada, sinto o brilho. Mas a caneta ainda me acompanha. "lá vamos nós de novo." Escuto de algum lugar. Estou sendo transportada de novo. Ouço outro sorriso e esse, não me tranquiliza. Escuro.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A Primeira Dúvida

Luz. Escuro. Luz de novo. Meu olho embaçado ainda não entende o que acontece. Minha cabeça dói como se agulhas penetrassem meu cérebro. Sinto meu corpo responder devagar aos meus estímulos. Minhas pernas pouco se movem. Meus braços estão amarrados. Quando tento falar sinto que não posso. Um pano cobre minha boca. E o ar que passa pelo pano tem gosto doce. Ainda não entendi o que faço aqui. Estou deitada. Meu olho restabelece o foco. Uma sala de paredes densas muito escuras. Meu pescoço não se move. Devo estar imobilizada. Estou tão fixa que só movo os olhos e pouco vejo. Pareço estar sendo movida. Sou colocada de pé. Ereta na maca, ainda amarrada. Aos poucos me dou conta do que se passa. O homem que vi antes ainda está aqui. Mas só vejo um dos homens de branco. O olho dele brilhava. Esfregou as mãos uma na outra. Sorria. Os dentes amarelados, devia fumar. Era magro e tinha cabelos grisalhos. Ostentava um bigode no mesmo tom do cabelo. Um jaleco branco e uma calça que já foi branca. A camisa debaixo era preta. Sentou-se na cadeira que estava a sua frente. Olhou alguns papéis sobre a mesa. Tinham muitos e muitos papéis naquela mesa. Mas tinha uma caneta tinteiro. Em forma de pena. A luz da sala estava fraca. Ele foi até as cortinas e abriu uma parte. Soltando um sorriso vira-se para mim.
"olá menina" "opa! você não pode responder" e riu de novo. "vou tirar ok? não se mova." "como se você pudesse"
Aproximou-se e calmamente tirou o pano. fez uma série de perguntas sem sentido para mim. Devia fazer para ele. Escreveu muitas folhas. Ainda não tinha tirado os olhos da caneta quando ele acabou as perguntas. A ultima confundiu mais. "por que você está aqui Ana?" Por segundos eu não soube o que dizer. "minha mãe me trouxe." Ele continuou com as perguntas sem nexo. Enquanto balançava aquela caneta. Por vezes negociamos por respostas, fui sendo solta. Mesmo com avisos dos homens de branco sentados atras de mim. Em um bom tempo esta presa apenas pelos pés. Ele até é simpático. Diferente daquela mulher. Ele comete o erro e chega perto. Incrivelmente não me movo. Por uma estranha razão confio nele. Ele confia, chegou perto. Apenas verifica minha temperatura. Me da as costas sem medo. Quem ele pensa que é? Ele vai vir de novo. Mais perguntas sobre mim. Quando perdia as esperanças ele chega de novo perto. E com a mão para trás. Tolo. Minha mão dispara em sua direção. As unhas a postos. Minha boca se abria. Mas travei. Ele foi mais rápido. Tanto que quando vi. Não o vi mais. Não vi nada. Escuro. Luz de novo. Continuo imóvel. Ouço ruídos a minha volta. Uma risada. A mesma que ouvi antes. O mesmo esfregar de mãos. Quando abro os olhos vejo o teto. Mas continuo na mesma sala. "é menina, acha que sou bobo?" Eu não conseguia responder. Ele segurava uma seringa na mão. O brilho no olho de quem se divertia. Como se fosse um brinquedo. "sei o estrago que você pode fazer" De fato estava preparado. Ele tirou do bolso outras duas seringas. Cada uma delas deveria ter mais de dez centímetros. "A regra é a seguinte, você pisca para responder"
Pisquei rapidamente. Meus batimentos estavam acelerados. Adrenalina, medo, um amontoado de sensações. Fechei os olhos. Aquele brilho me assustava demais. Sinto uma das agulhas perfurar meu braço esquerdo.
"você é inteligente garota" "não precisa apodrecer aqui dentro"
Mantive meus olhos fechados. Mas sentia seus olhos sobre mim. Divertindo com a agulha que pendia no meu braço. Não abri os olhos. Senti pegar meu braço. Cerrei os olhos com força. As duas agulhas estavam em mim.
"abre os olhos" O medo foi maior. Abri. As duas seringas estavam presas sob a minha pele. Ele sorria. Tinha me dominado sozinho. Nenhum homem de branco estava ali.
"eu ainda não injetei." "tem papel e um lápis no seu bolso." Meus olhos devem ter demonstrado algo. "espantada? eu não"
"Você não vai colaborar não é?" Cerrei meus olhos e não abri mais. Senti seu sorriso de novo.
"nem todo louco está preso a uma agulha, cama ou cadeira. Mas toda palavra tem uma gota de loucura. Aproveite essa." Sorriu. Não abri meus olhos. Mas o que vi sob minhas pálpebras. Foram cores, cores caleidoscópicas. Escuro.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Os Primeiros Flashes.

A primeira luz depois da escuridão foi a do teto. Fraca, quase sem força para iluminar a si mesma. Sinto gosto de sangue. Sinto cheiro também. As roupas que vestia, são trapos no meu corpo. Trapos tingidos de vermelho. Minha visão ainda é embaçada. Minhas mãos não tremem mais. Têm flores na minha cabeceira. A porta não está fechada. Uma correte de ar interrompe minha analise. Tremo de frio. Alguns gemidos passam pelas paredes. De fato, não me importo com nenhum. Será que eles não podem gritar mais baixo. São nove da manhã, minha primeira noite acabou. O gosto de sangue vem sempre junto com a saliva. Tento me levantar. Aos poucos vejo que minhas pernas estão menos cansadas. Consigo me mover. Vou até o pequeno espelho ao lado da comoda. A visão é pavorosa. Mas não me assusto com o reflexo. Meus cabelos, tão compridos, parecem mastigados e mais curtos. O cabelo sem mais cor, agora está vermelho empapado. Pequenas gotas vermelhas deslizam secas na testa. Meu olho direito está inchado e roxo. Meu nariz também tem gotas secas vermelhas. Meus lábios estão cortados, em cima e em baixo. Minhas roupas rasgadas e muito manchadas de sangue. O cheiro do ferro presente no sangue me embrulha o estomago. Me livro das roupas, enquanto procuro outras. A freira que se veste como pinguim entra em silencio, só a vejo quando está na minha frente.
"você impressionou a todos, satisfeita?"
O olhar dela era repressor. Mas eu não lembrava, mas sim estava satisfeita. O estrago deve ter sido grande. Pra responder só dei de ombros.
"Então não te importa o que aconteceu?"
Eu poderia naquele momento te-la socado. Mas sorri. Meus dentes vermelhos do sangue da minha língua. Não conseguia falar, era muita dor.
"A dor é um bom corretivo, junto com o frio." "tome, sua nova roupa"
Era outro pano branco de má qualidade. Vesti, estava frio, o vento aumentava. A freira me deixou ali vestindo a roupa. Da porta ela ainda falou. "você me custou dois enfermeiros. Vou cobrar dos seus pais"
Cobrar o que? A sanidade que eles também me devem? Ignorei aquela velha. Fui sentar na janela e ver o sol. Que agora parecia sair de trás das nuvens. Quando fechei meus olhos algumas cenas pipocaram. Pareciam flashes de memória da noite.
Na primeira descarga elétrica tremi. Na segunda lembro da fivela se soltar. Lembro da minha mão voando em direção do enfermeiro. Sem chance para ele, minhas unhas perfuraram sua jugular. Três unhas em segundos derrubaram um dos homens de branco. Escuro de novo. Mais uma descarga e mais outra. Meus olhos se arregalam. A mulher que segura minha testa ri. O brilho no olho dela continua. Ignorando o corpo do homem de branco a poucos metros de seus pés. Lembro de querer que o sapato dela estragasse com o sangue. Um dos homens de branco passa mal. Escuro de novo. Pausa nos choques. Sinto a força que prende minha testa afrouxar. Olho pro lado. Um dos homens de branco chega perto. Perto demais. Seu pescoço a centímetros da minha boca. Só sinto o gosto doce ferro. Minha cabeça volta violentamente pra trás. O homem de branco cai sobre mim. Sinto o sangue escorrer por mim. Escuro. E a luz volta. Da maca vejo aquele mesmo resto de ser humano que vira antes de entrar na sala. Ele sorri feliz ao me ver. E segura uma flor na mão. Escuro.
Foi tudo que a janela e o vento me ajudaram a lembrar. Ouço a porta abrir nas minhas costas. Me viro e vejo uma menina pequena. Poderia ser mais nova do que eu.
"Tome seu suco Ana" disse ela tremula. Covardes! pensei! Fui até ela. O liquido alaranjado tremia no copo. Assim como os dois joelhos dela sob a saia abaixo do joelho. Tomei. Para o alivio dela. E de três homens de branco que esperavam atrás dela. Meus joelhos tremem agora. Deito. Antes mesmo de sentir o escuro sinto a agulha no meu braço. A ultima coisa que vi foi o brilho. O mesmo brilho da mulher da sala de eletrochoque. Só que era um homem. Seu brilho era maléfico, contido. Sorriu. Escuro.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Primeira Angustia

A luz forte e branca invadiu meu quarto. A claridade que entra é refletida na parede banca me cegando. Dois homens entram no meu quarto seguidos pela freira vestida de pinguim. Os dois usavam branco. Um deles tinha em uma das mãos uma seringa grande e comprida. A agulha era maior que a própria ampola. Nunca tive problemas com agulhas. A freira é a primeira a se manifestar.
"não resista minha filha"
Nesse momento um dos homens me segurou forte nos punhos. Eu ainda não tinha forças para reagir. Foi necessário só um deles para me levantar. Nisso ouço longe.
"essa, não dura muito não."
"silêncio!"
Foi a resposta ríspida da freira se apressando para cobrir minhas pernas. Senti o vento encanado do corredor. Meus pés frios que já calçaram sapatilhas agora estão descalços arrastados pelo chão. É áspero, e corta. Meus olhos embaçados vêm o fim do corredor. Uma porta entre aberta. De onde sai um cheiro de carne frita. Vejo a porta se mover e sair mais um homem. Tão grande quanto aquele que me carregava. Ele também carregava alguém. Um ser magro, arrastando os pés. Não segurava a saliva na boca. Ao passar por mim vi os olhos sem vida. Mas eles brilhavam com uma intensidade única. O cabelo comprido caía sobre os olhos, mas eu os vi. Ele esboçou um sorriso. Não consegui retribuir, calafrios e mais calafrios corriam pelas minhas costas. Sou colocada dentro da sala. Pouco vejo, mas o que via era uma cadeira, parecida com aquelas de dentista. Uma maleta ligada à tomada. Mais quatro daqueles grandes homens de branco. E uma mulher, essa não vestia hábito. Vestia um vestido marrom dedos abaixo do joelho. Uma blusa branca e um terno bem cortado. Maquiagem pouca e sombria. O sorriso não era de pena, nem de misericórdia. Ela gostava de estar ali. Os olhos dela pareciam vibrar.
"Ela é nova?" "qual o nome?"
Antes que eu mesmo falasse o homem de branco que me arrastava estendeu uma prancheta para a mulher. A face dela não mudou. Aproximou-se de mim. Não consegui encara-la, estava muito perto e eu ainda muito grogue. Sou posta na cadeira. Meus tornozelos e meus punhos amarrados. Na minha cabeça uma cinta passa e prende. Assim nem para os lados eu posso olhar. A mulher ainda me encara, agora de cima. Ouço barulho de água corrente. Logo sinto meus pés sendo molhados, não posso ver nada. Logo vejo uma mão passar pelos meus olhos. E minha testa também é molhada. Ouço uma risada fraca. E de novo a mulher me olha nos olhos. O brilho dela me assusta um pouco. Uma faísca sai de dua pequenas bolas que ela segura. A luz começa a falhar de novo. Um zumbido começa baixo e vai aumentando perto da minha orelha. Sinto uma fisgada na cabeça e no pescoço. Meus olhos reviram e embaçam. O que vejo agora são pequenos quadrados. Pixels de luz desenhados por trás de minhas pálpebras. Escuro.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A Primeira Noite

Os ruídos ficam mais fortes na minha cabeça parece que vai explodir. Abro os olhos, o teto alto ainda me encara, ameaçando descer e me sufocar a qualquer momento.
Minha mão dói. Quando tento ver o que é o quarto gira ao meu redor.
Analisando melhor o quarto agora mal iluminado por uma luz amarela fraca no teto. deveria com certeza menos watts do que uma lanterna.
O quarto tem uma janela grande para o tamanho deste e tem uma soleira de madeira onde caberia uma pessoa sentada.
Por ali entrava a unica ventilação daquele cômodo abafado. Estava ficando quente, o tempo úmido dava um cheiro especialmente mórbido àquele lugar.
O vento frio passava pelas frestas da janela, que é invadida por um som animalesco e estranho aos ruídos urbanos que cercara seus últimos tempos. Pelo menos era desses sons que me lembrava.
Tento me levantar de novo, mas as pernas ainda não respondem direito. Aquele medo novamente toma conta do meu corpo, mas levanto. Vou até a janela procurando por aquele som animalesco. Do lado de fora as sombras das arvores se jogam aqui pra dentro. O dono do som ainda não cansou de me assustar. Sinto o ar gelado vindo do teto, deixando meu quarto todo congelante.
A luz começa a piscar. Vai faltar energia elétrica. O som começa a se afastar, como me avisasse que mal maior está a chegar.
De fato. Segundos depois a lampada volta a pisca e a energia a faltar. Deito na cama. O escuro forçado me assusta. Gritos voltam a ecoar no quarto, mas esses vêm aqui de dentro, simultâneos à falta de energia.
Gritos de dor. Esses sim animalescos. E vão aumentando e aumentando. Deito em posição fetal na cama estreita. O frio das paredes é palpável. Mais um grito e nesse a luz demora para voltar. E o grito acaba antes da luz voltar. Isso veio e voltou por horas. Gritos de dor, animalescos. Depois de alguns minutos de intervalo entre gritos e apagões, minha porta se abre. Tem alguém na porta.

O Primeiro Dia

Venho contar algumas histórias que vi e que vivi dentro de um depósito de mentes.
Um manicômio. Hospício. Hospital Psiquiátrico. Como queiram chamam aquele lugar, tanto faz.
Para mim aquilo sempre foi um depósito, onde todos aqueles que descontente com as ideias ou ações, nos jogavam e trancavam. Isso quando a temporada lá, não era para servir de cobaia para eletrochoques.
Agora que sabem porque escrevo, me apresento. Me chamo Ana, ou Ana a Louca, como todos gostavam de me chamar, tanto em casa quanto na escola. Tenho agora 18 anos, o não os tenho mais? Enfim não vêm ao caso, pelo menos por enquanto.
O dia que cheguei não entendi bem porque tinha chegado lá, mas aqueles que diziam querer meu bem me trouxeram sorridentes.
Com um beijo falso de preocupação ela se despediu falando que eu devia cuidar dos meus problemas. Ele com cara de choro contido, deixou uma lagrima escapar antes de entrar no carro. Não chorei.
Não sabia o que esperar, apenas sabia que a freira usando habito me segurando pelo ombro me assustava um pouco.
Entrei naquela construção de paredes marrom por fora e brancas por dentro, muito brancas. As paredes eram grossas e frias, o que aquelas freiras pensavam afinal? Que seriam atacadas por piratas, excluindo o fato de que eles não existem mais.
Os sorrisos eram mais reais que os anteriores, soavam com pena.
Fui apresentada ao meu quarto, ficava no fim do corredor mal iluminado do segundo andar. É difícil ainda lembrar direito como cheguei ao quarto, mas a freira continuava ao meu lado, com sua roupa de pinguim. O quarto era pequeno, com uma cama no centro, parecia mais com uma maca. Tinha amarrar e suporte para por soro. O teto era alto e ao mesmo tempo claustrofóbico. Minhas mãos tremiam.
A freira que me acompanhava chamou outra, que imediatamente chegou com um copo de plastico. O liquido laranja dentro do copo parecia suco daqueles em pó.
"tome um suco, você deve estar cansada"
Sem pestanejar peguei o copo e tomei o liquido amargo, mas não era ruim, tinha um gosto meio deprimente.
Depois de colocar uma roupa branca que me foi oferecida a freira me disse para deitar e descansar,ainda era de tarde não estava cansada.
Mas de repente meus dedos começaram a ficar amolecidos e as pernas começaram a tremer, parecia que a pressão sanguínea tinha baixado, deitei na cama para ver se passava. Adormeci.