domingo, 20 de novembro de 2011

A Primeira Pétala

Ainda está escuro. Não ouço quase nada. Parece que meu ouvido está entupido. Sinto o vento gelado nos meus pés. Definitivamente estou sendo carregada. Sinto o vento no meu rosto. Tento abrir o olhos, não consigo. Ouço vozes a minha volta. Sou movida, mas ainda não vejo nada. Se meus olhos não abrem, meu corpo também não se move. Estou amarrada. "Ela aprontou de novo é?" Essa voz é conhecida. "Eu disse que ela seria problema." Sinto meu coração começar a disparar no peito. "Eu cuido dela dessa vez" Aquela risada congelou minha alma. Se é que ela ainda está aqui dentro. "Coloquem ela na cadeira." Agora sei onde estou. Sinto tudo. Não vejo nada. Estou vendada. Começo a sentir mais frio. Luz. Forte demais para que eu possa ver algo. Sinto as amarras e o teto ficar paralelo ao meu corpo. A luz começa a ficar mais fraca. E falhar. Ouço barulho das faíscas. Quanto mais tento me mexer, mais eu machuco meus punhos. Minha pele sofre com o atrito do coro das cintas. "Dois dias aqui e ela ainda não aprendeu" Sinto meu corpo tremer e retorcer, sem que eu queira. Da minha testa sinto escorrer suor. Meus olhos lacrimejam. Involuntariamente. Sinto o gosto de pedaços da minha língua. A luz para de piscar. Meu corpo para. Sinto um cheiro que não me é estranho. Parece carne sendo preparada. Não é agradável.Escuro.Frio. Acordo de novo. Fui molhada. Agora tenho certeza, estou sem roupa. Que bom, do contrario molharia minha caneta. Não quero me mover, só espero a próxima rajada de choque. Minhas têmporas pulsam mais que meu coração.A luz começa a falhar de novo. Agora eu fecho meu olhos. Sinto meus dedos dos pés se contorcerem. Logo os dedos das mãos. Que machucavam ainda mais nas amarras. Pouca força faço, mas a energia que passa por mim me levanta da maca. E me joga de volta em segundos. Cheiro de sangue. Acho que engoli outo pedaço da minha língua. Não consigo respirar. Me afogo. Sinto asfixiar. Sinto espuma na minha boca. E sinto a luz voltar. E o cheiro de carne de novo. O choque pára. Talvez eles tenham exagerado. Não consigo fechar minha boca. Meu maxilar não tem força para subir. Sinto uma pancada no peito. Num esforço gigante consigo puxar o ar para dentro. Volto a respirar. O cheiro continua ali. Preferia não respirar agora mesmo. Mas continuo fechar a boca. Sou posta de pé. Não tenho forças e despenco. Sinto o chão frio e molhado daquela sala. Meus olhos meio embaçados ainda procuram algo. Encontram o brilho pervertido da mulher. A mesma da primeira noite. A dona da voz. Ela me olha com raiva e deleite. Satisfeita por me ver sem forças no chão. Ela se aproxima. Me encara de perto. Ninguém por perto. "Não é tão durona agora né?" Não consigo falar, quem dirá fazer algo. Me resigno a cair a cabeça pro lado e não olhar aquele brilho. Viro a cabeça na direção do vento. Minha pele toda arrepiada com o frio. A porta está aberta. Dali dois homens de branco observam ressabiados. E no de fora dois olhos curiosos e meio sem vida me observam. Lembro desse par de olhos. O cabelo desgrenhado sobre um dos olhos. Ele percebe que noto sua presença e se esconde atras do cabelo. Ele tem os olhos claros. Verdes eu acho. Antes que eu fizesse qualquer movimento os homens de branco me erguem do chão. A mulher lava o sangue acumulado em mim com uma mangueira. A pressão machuca mais meu maxilar. Que aos poucos voltava para o lugar. Há sangue e saliva nos meus seios e na barriga. Não consigo abaixar mais a cabeça para ver o resto. Ganho uma toalha amarelada para me enxugar. Como se eu tivesse forças. Sequei como dava. Fui sentada em uma cadeira de rodas. Passei pelo donos dos olhos verdes, estava encolhido no banco. Com algumas coisas na mão. Me olhou e escondeu-se. Sinto meu braço formigar. Devem ter injetado algo em mim. Escuro.
Sinto a cabeça ainda oca. Não tenho noção das horas. Abro os olhos. Tem pouca claridade lá fora. Deve estar anoitecendo. Sinto muito frio. Estou nua. Não tenho cobertas. E não faço ideia de onde minha roupa foi parar. Me levanto. Meu maxilar ainda dói muito. Meus punhos estão vermelho. Meus dedos mal se mechem. A dor é generalizada. Minha língua está inchada. Não posso falar nada. Vou até o espelho. Minhas têmporas estão marcadas. Sei agora de onde veio o cheiro de carne. O vento aumenta meu frio. Olho por cima de tudo, mas esta escuro aqui dentro. Acendo a luz. Vejo minha roupa, cuidadosamente dobrada sobre a mesa ao lado da cama. Com a caneta em cima e algumas folhas de papel dobradas e cuidadosamente escondidas debaixo da blusa.E uma pétala branca dentro do bolso da blusa. Sento na cama. Não entendo. Como tudo por ali. Mas isso me acalma. Até a freira/pinguim chegar. Vejo nas mãos dela o copo de suco. Não tenho escolha. Tomo de novo. Dessa vez nem gosto sinto. Minha língua dói. Escuro.

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